GULA

O que me fode é que eu não sei ter nada, 
ABSOLUTAMENTE nada, 
pela metade. 
Minha fome de tudo é muito grande. 
Quando eu amo, eu devoro. 
De metade em mim, só meu signo,
 metade gente e metade cavalo.

PSEUDO-VACA-MULHER

Você já foi guizo de uma vaca, ou já nasceu como uma farsa? (blinblinblin) Não. Não. Só precisamos manter um assunto. Uma conversa civilizada. (blin…blin…blin…bl…) 

Porfavor,nãopáradebadalar.Precisomemanterconcentradaemvocê,equandovocêpáradefazerbarulhoeuparodeteolharumpouco,quandovocêpáradebalançareuteolhomenosainda,edaípraeuparardeolharpravocêéumpulo … E lembre-se precisamos manter uma conversa. (ameaça de blinblinblin) 

Eis uma pergunta importante: o que você faz em meu pescoço? Eu não sou uma vaca, até onde eu sei… Nem em xingamentos já fui vaca. Olha que interessante… Já fui puta, vadia, falsa, idiota e afins, mas vaca nunca. Até onde me lembro, pelo menos. (blinblin³) E enquanto você faz esse blin blin irritante no meu ouvido, eu sempre me pergunto porque uso e os outros não. Será que usam por baixo da blusa? Ou por baixo da pele? Ou será que os guizos só começam a incomodar quando você começa a se perguntar se usa um? (blin)

Porra! Então não to me perguntando mais nada. Beijos…vai-te (blinblin³) Tá! Foi o que imaginei. Não é possível né? Ok…então já que teremos que conviver que seja uma convivência harmoniosa e pacifica. (Blinblinblin) Agora cala a boca e me escuta. Eu não te incomodo e você também não me incomoda, certo? E só pra constar o seu blin é absolutamente irritante, repetitivo e monotonal, e só pra constar dois, eu sou neurastênica, e portanto me incomoda bastante. Resultado: Você cala a boca e eu falo. Este é o trato.

Então vamos lá: Você já foi guizo de uma vaca, ou já nasceu como uma farsa? (blinblinblin³) Porra! É melhor você ficar calado em meu pescoço do que jogado num canto. Pense bem. De que serve um sino/guizo se não está no pescoço de uma vaca ou de uma vaca/mulher? Nenhuma. Aliás, no meu pescoço você já não tem muita função, afinal, como lhe expliquei em pormenores anteriormente nunca fui vaca/mulher nem em xingamentos.(silêncio)

Deve ser uma vida difícil essa. Essa da vida sem função, não é? Mas você tem que parar de gritar. Quando você grita ninguém escuta (silêncio)…(silêncio) Você também é oito ou oitenta ou grita ou cala de vez. Não é assim não. Tem que ficar no meio termo. Nosso tempo é o tempo do meio termo,do meio amor, da meia paixão, da meia vaidade, da meia dor, do meio medo, do meio qualquer coisa. (silencio) Também não vou ficar te explicando muita coisa não. Você não tem capacidade intelectual para entender o meu raciocínio. (silêncio)

Aliás seu silencio é a prova do que digo…prova que você não tem argumentos. Grita, grita, grita, querendo ser ouvido e na hora h faz o que? Trava. Cala a boca. Grande sino és tu. Você, caro amigo já parou pra ver que além de ser um sino sem função no mundo, um grande desperdício desse metal aí, você é uma vergonha da sua espécie. Deixa que uma pseudovacamulher te dê ordens. Te coloque entre as tetas e te abafe o som. Grande sino és tu? (silêncio)

Ok, vamos tentar novamente. Vamos supor. Apenas supor. (silencio) Vamos. Suponha comigo (blin) que você é um sino em seu habitat, pra que você serve? Você avisa para o venerável pastor que um espécime do seu rebanho se afastou demais do grupo… a tempo de mandar um cão pastor repreendê-lo e trazê-lo de volta para que possa ser ordenhado, tosquiado ou abatido… (Suspiro)

Certo. Eu quebro o acordo. Pode fazer seu blin blin irritante. O silêncio que eu escuto é muito mais barulhento do que você. Cheio de tanta coisa que eu não disse. Cheio de pastores veneráveis e cães pastores ágeis. Cheio de disse e me disse. Cheio de sonhos bizarros. Cheio de dores insuportáveis inverbalizáveis (blin) O que foi? Criei mesmo. A gramática não me contempla. 

Texto criado em uma improvisação para OROBORO, junho de 2013

Peito Vestido

Vestiu-se com a primeira camisa que encontrou. Afinal não podia perder tempo com camisas, seu tempo era precioso demais para ser desperdiçado dessa forma. Bebericou o café e se queimou. Estava muito quente. Nice ouviu bastante naquela manhã, afinal de contas ele tinha que culpar alguém, agora além de queimado estava atrasado. Mas ele não notou que seu atraso se deu por conta do tempo gasto para explicar mil vezes a Nice que ele não gostava de café muito quente, porque tinha dentes sensíveis, e não podia machucar sua voz, que era o seu instrumento de trabalho, e consequentemente era o seu gan…Para ensinar aos outros era preciso gastar tempo sim. Não com camisas. Com camisas não se perde tempo. 

Resolveu desistir do café. Comeria qualquer coisa na rua. Verificou se tinha todos os projetos na pasta. Passou tanto tempo escrevendo, lendo e relendo que não podia correr o risco de perder o patrocínio porque tinha esquecido algum de seus documentos. Passou tanto tempo lendo e relendo isso na noite anterior, que não notou que tinha misturado as camisas brancas com as vermelhas na hora da lavagem, e que elas soltavam tinta e que isso mancharia as bran… Mas não, com camisas não se perde tempo. 

Não pensem que ele não gostava de camisas. Tinha várias. Coleções inteiras. Cada uma combinando com uma ocasião: Casamentos, encontros casuais, saída com os amigos, encontro com a família da atual esposa, encontro com a ex-esposa (sim nessa hora era preciso um pouco mais de esmero. Era preciso mostrar como estava bem. Orgulho, talvez…), noites solitárias etc. Tinham as que estavam na categoria especial: camisas de banho, camisas de sexo, camisas de ginástica etc outra vez. O importante era não expor o seu peito nu. Não, isso não podia. As camisas poderiam, para a felicidade de Nice, estar divididas com etiquetas. Mas não era preciso, ele sabia bem qual deveria ser usada em cada ocasião. Costume, talvez. Mas ele misturou as brancas com as vermelhas, e isso poderia ser um probl…Não. Não se perde tempo com essas camisas.

Estão todas aí. Divididas por ocasiões. É só pegar a primeira alocada na ocasião correspondente. Pronto. Não era preciso perder tempo. Havia camisas que podia substituir, emergencialmente, outra. Ele aprendeu… Certa vez, ele ganhou um peso a mais e camisa que escolheu vestir não lhe servia. Foi preciso expor seu peito nu… nossa como estava mais definido… Até achar, em uma loja, outra que servisse para a ocasião. Por isso a coleção. Ah! Esqueci de mencionar que tinham camisas de vários tamanhos. O motivo vocês já sabem. Bem…de qualquer forma, uma ou duas camisas manchadas, não exporia o seu peito nu. Causaria no máximo um mal estar a Nice, mas ele a ensinaria, durante um tempo, com seu discurso bem elaborado, a não misturar as camisas brancas com as vermelhas na hora da lavagem. 

Mas voltando àquela manhã, depois de perder tempo demais com as camisas (Eu, este narrador que vos fala, porque ele não perde tempo com camisas), ele saiu finalmente de casa. Ligou seu carro. Fez o caminho de sempre. Passou pelas mesmas ruas de sempre, chegando ao estúdio de sempre. Deu bom dia as pessoas de sempre. Como já as conhecia o contato visual não era necessário, até porque todas estavam muito ocupadas com seus projetos e afazeres. Continuando seu caminho até aquele momento glorioso do tão esperado dia, subiu no elevador de sempre, até o andar da sala de reuniões de sempre. Saiu um pouco eufórico, seguiu o corredor. Agora faltava pouco pra colocar em prática o seu projeto mais audacioso. Virou à direita e foi então que. 

Não. Isso não podia acontecer numa outra manhã? Tinha que ser nessa? Mário saia apressado da sala com um copo de café que agora estava jogado no meio da camisa dele. Mário é claro ouviria muito. E depois desse muito Mário resolveu lhe emprestar sua camisa. Não era perfeitamente adequada para aquela ocasião, além de não ser exatamente do seu tamanho, afinal o peito que estaria ali dentro não era o mesmo, mas depois de alguns ajustes, com os alfinetes e linhas de segurança que tinha em sua sala, deveria servir. Ele correu pra resolver essa situação. Entrou em sua sala. Apertou aqui, ali e pronto. Pegou a pasta e saiu. Saiu muito rapidamente, afinal de contas ele não perde tempo com camisas. 

Estava agora atrasado, queimado e desconfortável com a aquela roupa que não era sua. Não era naquele dia.Hoje…não sei. Deve ser, talvez. 

Laís Machado 13 de janeiro de 2011, 6h da manhã